Análise descritiva da peça da coroação

            A Peça da Coroação possui esse nome, pois foi cunhada para comemorar a Coroação de D. Pedro I como o primeiro Imperador do Brasil independente, sendo então, a primeira moeda cunhada no Brasil após sua independência de Portugal. Então, no dia 1º de dezembro de 1822, curiosamente no dia do numismata, foram cunhadas moedas destinadas ao óbulo, parte de uma tradição que os Reis portugueses cumpriam ao enviar donativos a Igreja no dia de sua coroação.



            Cunhada em ouro, no valor de 6.400 Réis, é considerada atualmente a moeda mais valorizada na numária brasileira, o que muita das vezes se confunde com raridade, uma analogia incorreta já que a peça da coroação possui 16 exemplares conhecidos, enquanto a peça “o Índio”, possui apenas 2 exemplares. Uma informação raramente divulgada nos meios numismáticos é que são conhecidos até o momento somente dois ensaios em cobre da Peça da Coroação. Embora menos valiosos, estes ensaios são muito mais raros que a própria moeda, estando um presente no acervo do Museu Histórico Nacional.

            Após a extraordinária venda que Heritage Auctions fez em 2014, podemos ver o real valor desta peça. Antes, seu preço médio de avaliação circulava perto dos US$200 mil dólares, hoje, seu preço de mercado já é apresentado entre US$500 e US$750 mil dólares por diversos colecionadores e especialistas. O Curioso é que o recorde de vendas da Heritage foi justamente alcançado no ano da venda da peça da coroação, quando a leiloeira vendeu cerca de US$969 milhões de dólares, um recorde para qualquer empresa de colecionáveis.

            Tal preciosidade foi cunhada na Casa da Moeda do Rio de Janeiro e o anverso é  assinado pelo escultor, gravurista e professor franco-brasileiro Zéphyrin Ferrez, nascido em 1797 na França e falecido em 1851 no Rio de Janeiro. Além da peça da coroação, foi assinada por ele a decoração de algumas ruas, avenidas e praças da cidade do Rio de Janeiro, a primeira medalha projetada e cunhada do Brasil, para a aclamação de D. João VI, em 1920 e foi responsável pela medalha de matrimônio entre D. Pedro II e Dona Teresa Cristina em 1842. Uma outra obra de Ferrez foi um pórtico projetado em granito e mármore, onde se destacam os ornamentos em terracota, hoje expostos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas que foram originalmente construídos para a fachada do edifício da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, contudo seu prédio foi demolido no ano de 1938.

            Já o reverso é atribuído a Tomé Joaquim da Silva Veiga, mestre de gravura da Casa da Moeda à época, ao qual infelizmente não temos muitas informações sobre. Em um dos anais do Museu Histórico Nacional, de número VI, em 1945, descreve Veiga como “considerado o melhor gravador no Brasil Reino”, e claro, somos obrigados a confirmar tal informação, uma vez que se realmente não fosse um gravador excepcional, não teria sido convidado para cunhar uma peça de tanta importância.

            É sabido que, somente 64 peças foram cunhadas, pois o Imperador D. Pedro I mandou suspender o projeto por estar em desacordo com algumas questões, por exemplo, a efígie do Imperador, com o busto nu e com a coroa de louros a cabeça, muito parecido com perfil numismático dos Imperados Romanos, Dom Pedro I teria sentido a ausência de seus trajes militares e suas medalhas presentes na moeda, também não teria aprovado a omissão das legendas “CONSTITUCIONALIS” (constitucional) e do complemento “ET PERPETUUS BRASILIAE DEFENSOR” (e perpétuo defensor do Brasil), o que em sua visão, poderia pressupor um desejo de poder absolutista. Por esses “erros”, os sessenta e quatro exemplares deveriam ter sidos tirados de circulação.



            Muitos mapeamentos desta peça podem ser encontrados em anais de entidades numismáticas ou de museus, mas muitos nomes não são identificados, acredito eu que por questões de segurança, entendo perfeitamente. Por isso, não iremos reproduzir tais listas, pois não podemos afirmar com certeza se estão atualizadas ou se são efetivamente autênticas. Contudo, podemos citar com tranquilidade alguns conhecidos nomes que já possuíram uma peça da coroação em sua coleção particular, nomes estes como Julius Meili, Augusto de Souza Lobo, Guilherme Guinle, Roberto Villela Lemos Monteiro, R. Pagliari, Alves de Araújo Ramos e Louis Eliasberg.

            Hans Kochmann, no boletim de número 29 da Sociedade Numismática do Brasil, publicado originalmente em Janeiro de 1969, descreve a peça da seguinte forma:

a) Área do anverso:

            No centro do campo, a efígie do Imperador D. Pedro I, de perfil à esquerda (visto de frente), laureada e nua (sem uniforme), encimada ao número da era 1822 e a letra monetária R, sigla da Casa da Moeda do Rio de Janeiro; entre 03 cruzetas assim distribuídas: +1822+R+. Colocada junto à orla, a inscrição (legenda) titular: PETRUS PRIMUS DEI GRATIA BRASILIAE IMPERATOR (Pedro Primeiro pela Graça de Deus Imperador do Brasil) da seguinte forma: PETRUS.I.D.G.BRASILIAE.IMPERATOR. A inscrição Z. FERREZ (Zeferino Ferrez, 1797-1851, gravador e abridor de cunhos da Casa da Moeda do Rio de Janeiro) em baixo relevo, é aposta na parte ovalada do corte do busto imperial. Limitando o campo, junto à orla, um círculo de pequenos traços de ornamentação e segurança, traçados do campo em direção ao bordo da área da espessura.

b) Área do reverso:

            No centro do campo, o escudo das armas imperiais brasileiras, do desenho primitivo, com a coroa real portuguesa (forrada), tendo a inscrição: IN HOC SIGNO VINCES (Com este sinal vencerás) dentro do escudo da seguinte forma: IN HOC SIG VIN, legenda esta, abreviada e dividida pelos braços da Cruz de Cristo. (O brasão imperial brasileiro foi posteriormente modificado e já em 1823, foi a coroa real portuguesa substituída pela coroa imperial brasileira e a legenda heráldica IN HOC SIG VIN retirada do centro do escudo de armas). O escudo é colocado entre um ramo de café à esquerda e um ramo de tabaco à direita, apresentando na parte inferior na junção de ambos, o Laço Nacional. Limitando o campo, junto à orla, um círculo de pequenos traços de ornamentação e segurança, traçados do campo em direção ao bordo da área de espessura. A “PEÇA DA COROAÇÃO” não indica seu valor nominal.

c) Área da espessura:

Escama (serrilha) de segurança, também denominada “escama de peixe” ou “serrilha flor de lis”.

d) Ângulo:

            O ângulo, do anverso para o reverso é de 350 graus, portanto ligeiramente inclinado.

e) Diâmetro:

            Tratando-se de cunhagem efetuada em prensa monetária manual (balancim), poderão aparecer exemplares legítimos com pequenas variações de diâmetro. O diâmetro aproximado da “PEÇA DA COROAÇÃO” é de 32,2 milímetros.

f) Peso (bruto):

            O peso oficial é de 4 oitavas = 14,342 gramas, havendo pequenas tolerâncias entre 14,1 e 14,6 gramas.

g) Título:

916 2/3 milésimos = 22 quilates.

h) Cunhagem oficial:

            Rs. 409$600 (Quatrocentos e nove mil e seiscentos réis) = 64 exemplares.

 

            O Numismata Giovanni Miceli Puperi, publicou em seu artigo “Análise descritiva da Peça de Coroação” em 07 de Setembro de 2016, um excelente trabalho com o intuído de criar um registro dos mais diversos detalhes desta moeda para facilitar a diferenciação de peças falsas e originais, apesar de ser uma peça tão icônica da numismática nacional temos registros de falsificações no mercado internacional e não desejamos que nenhum de nossos leitores sejam enganados, por isso apresentaremos aqui uma lista contendo 8 itens para identificação do anverso e 7 itens para identificação do reverso:

Anverso

1 –  Campo: Irregularidade no campo à esquerda do pescoço e da testa da Efígie;

2 – 1822:  Parte inferior do 8 levemente menor que a superior;

3 – PETRUS:  Leve sombra abaixo da parte superior do S;

4 – BRASILIÆ:  Pequeno traço à esquerda da serifa superior do A;

5 – BRASILIÆ:  Pequenos traços paralelos às pernas do A saem das serifas inferiores à esquerda das pernas;

6 – IMPERATOR: Falha na ligação entre a perna direita do M e a parte central;

7 – IMPERATOR: A com leve sombra à esquerda da perna direita;

8 – D·G: Pontículos entre o ponto mediano e o G.

 

Reverso

1 – SIG(NO): Pontículo à direita da parte superior do I e à esquerda da parte inferior do S;

2 – Estrelas do escudo: Pontículo à direita da 15a estrela;

3 – VIN(CES): Tracículo acima da serifa direita do V;

4 – HOC: C sombreado;

5 – Diadema: Concavidade abaixo dos losangos direitos;

6 – Esfera armilar: Pontículos: Acima do contorno direito, próximo ao I (do “IN”); acima do círculo polar norte e encostando no coluro interno direito;

7 – Esfera armilar: Tracículo apontando para o G de SIG e saindo do contorno esquerdo da esfera, entre o círculo polar sul e o trópico sul.

 

            Atualmente, como anteriormente dito, temos conhecimento da existência de 16 exemplares, das 64 peças cunhadas, dentre elas, algumas estão em exposição pública, para que possamos ao menos apreciar uma moeda que a maioria absoluta dos colecionadores nunca poderão ter em suas coleções. Em Portugal, na cidade de Lisboa, temos uma peça exposta no Museu Numismático Português. Aqui no Brasil possuímos exposições abertas em quatro locais, no Rio de Janeiro, verdadeiro berço desta peça, temos exposição no Centro Cultural do Banco do Brasil e no Museu Histórico Nacional. Em  São Paulo, podemos ter acesso no Museu Numismático Herculano Pires e em Brasília temos um exemplar a disposição do público no Museu de Valores do Banco Central.

            Para conhecimento de nossos leitores, temos registrado publicamente alguns leilões da peça da coroação, ao qual daremos destaque para 5 destes. A Spink and Son, uma casa de leilão localizada em Londres, no Reino Unido e fundada no ano de 1666 possui registros de 3 vendas, sendo um exemplar SOB vendido por US$87 mil dólares no ano de 1986, um exemplar MBC vendido por US$85,5 mil dólares no ano de 1997 e um exemplar MBC vendido por US$69 mil dólares em 2015. Já a tão conhecida no meio numismático, Heritage Auctions, fundada em 1976 no Texas, Estados Unidos da América, possui duas vendas registradas, sendo estas as de maiores valores expressivos no mercado numismático mundial, a primeira em 2012 foi vendido um exemplar MBC por US$138 mil dólares e a de maior valor econômico de todos os tempos foi vendida por exatos US$499.375,00 dólares em 2014, para total noção deste valor, se convertêssemos para a média atual do dólar de R$3,95, chegaríamos a um valor, em reais, de R$1.916.551,31.

 

 

Gráfico estabelecido com base nos valores reais de venda da peça da coroação

Gráfico estabelecido com base nos valores convertidos em reais sobre a cotação do dólar no dia 06/10/2018

Não posso dizer que a peça da coroação é a mais cobiçada dos colecionadores brasileiros, pois entendendo nossas limitações financeiras, combinados ao valor extraordinário da peça, tanto comercial quanto cultural, sabemos que esta peça é apenas uma preciosidade digna de um museu, ao qual meros mortais como nós, não somos de fato merecedores.

Versão para download ou impressão: Análise descritiva da peça da coroação.

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Para citar este texto:

PADILHA, André Luiz de Castro. Análise descritiva da peça da coroação. Portal Numismáticos – Numismática Castro, Outubro 2018. Disponível em: < https://numismaticos.com.br/analise-peca-da-coroacao/>.

André Luiz Padilha

Graduado em direito com especialidade em meios alternativos de soluções de conflito e atualmente é estudante de História. Colecionador de moedas desde 1997 e numismata desde 2011. É um ativo divulgador da numismática nacional publicando diversos artigos e estudos por dezenas de plataformas, presta serviços como avaliador e consultor em pelo menos 9 países, também é o fundador da Numismática Castro, do CNERJ e do canal Café e Numismática. É sócio da American Numismatic Association (ANA)

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