A moeda do Tributo

Enviaram os seus discípulos, juntamente com os herodianos, a perguntar: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, e não se te dá de ninguém, porque não te deixas levar de respeitos humanos; dize-nos, pois, qual é o teu parecer; é lícito ou não pagar o tributo a César?

Porém Jesus, tendo percebido a malícia deles, respondeu-lhes: Por que me experimentais, hipócritas?

Mostrai-me uma moeda de tributo. Trouxeram-lhe um denário.

Ele perguntou: De quem é esta efígie e inscrição?

Responderam: De César. Então lhes disse Jesus: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.

Ao ouvirem isto, admiraram-se e, deixando-o, foram-se.

Esta é uma passagem bíblica que você poderá encontrar no livro de São Mateus, no capítulo 22, versículos 16 à 22 e apesar desta não ser uma lição religiosa, precisamos voltar a Bíblia para validar as histórias de algumas moedas, como é o caso das moedas da traição de Judas, mas essa é uma história para outra hora!

Para entendermos o contexto desta lição religiosa e numismática dada por Jesus Cristo, precisamos entender toda aquela passagem. Quem o pergunta é um fariseu (ou espião), sua intenção era claramente que que Jesus admite-se oposição a Roma, oposição ao pagamento dos impostos devidos.

Apesar de ter seu nome simplificado como César, analisando o tempo em que a passagem aconteceu, em contraposta a idade de Jesus Cristo é claro, podemos afirmar que a tal moeda é um exemplar do Denário do Imperador Tibério, ou seja, Tiberius CAESAR Augustus, sendo este o segundo imperador de Roma, reinando entre os 14 a 37 depois de Cristo, sucedendo seu padrasto, Augustus.

Outra questão também que é muito importante pra Numismática é que o Tribute Penny, ou o Centavo do Tributo, ganhou esse nome através da versão bíblica da tradução King James, pois se analisado o texto em grego poderemos nesta passagem encontrar claramente a palavra “dēnarion”.

É engraçado até analisar esta peça justamente em uma parábola cristã vivida, segundo a Bíblia, pelo próprio Jesus Cristo, que se analisarmos com detalhes essa moeda veremos a seguinte descrição para o anverso:

TI CÉSAR DIVI AVG F AVGVSTVS, ou seja, completando as legendas das abreviações teríamos “TI [BERIVS] CÉSAR DIVI AVG [VSTI] F [ILIVS] AVGVSTVS”. Trazendo para o nosso português, teremos “César Augusto Tibério, filho do Divino Augusto”. Claramente alegando que seu padrasto Augusto, após sua morte, se tornara um deus. Ou seja, temos Jesus usando uma moeda com uma imagem pagã, para explicar o famoso discurso do “Rendei a César…”

O reverso mostra uma mulher sentada, geralmente identificada como Lívia, descrita como Pax.

A Edição Pastoral da Bíblia comenta a passagem por meio de uma nota de rodapé relativa Marcos 12:13-17, que diz que:

“O imposto era o sinal da dominação romana; os fariseus a rejeitavam, mas os partidários de Herodes a aceitavam. Se Jesus responde “sim”, os fariseus o desacreditarão diante do povo; se ele diz “não”, os partidários de Herodes poderão acusá-lo de subversão. Mas Jesus não discute a questão do imposto. Ele se preocupa é com o povo: a moeda é “de César”, mas o povo é “de Deus”. O imposto só é justo quando reverte em benefício do bem comum. Jesus condena a transformação do povo em mercadoria que enriquece e fortalece tanto a dominação interna como a estrangeira.”



A Bíblia do Peregrino comenta a passagem por meio de nota de rodapé relativas aos versículos que descrevem a situação na qual a frase é proferida, nas quais é dito que:

  • a pergunta foi uma armadilha em forma de dilema para desacreditar Jesus como um colaboracionista ou denunciá-lo como um revoltoso, na qual os discípulos dos fariseus perguntaram fingindo curiosidade inocente e fazendo um elogio hipócrita;

  • existem pelo menos cinco passagens do Livro dos Provérbios, que alertam para o perigos dos falsos elogios: 6,24: “Eles protegerão você da mulher má e da língua suave da estrangeira”, 26,23: “Verniz recobrindo argila são os lábios que elogiam com má intenção”, 26,28: “A língua mentirosa odeia a quem ela mesma fere, e a boca que elogia provoca a ruína”, 28,23: “Quem repreende alguém será mais estimado do que aquele que elogia” e 29,5: “O homem que adula o próximo estende para ele uma rede debaixo dos pés”;

  • os herodianos eram dependentes de um poder estabelecido;

  • os fariseus aceitavam resignados a dominação romana e seus tributos como um castigo divino que acabaria por meio da ação do Messias;

  • fariseus e herodianos não costumavam concordar entre si, mas se associavam para combater Jesus (ref. a Marcos 3:6);

  • a pergunta tentou conduzir Jesus para um terreno extremamente perigoso, no qual entrava em jogo a lealdade e a submissão ao Império Romano, pois o tributo a César significava no campo econômico a submissão política ao Imperador;

  • a submissão temporária a um poder estrangeiro já havia antes sido aceita pelo Profeta Jeremias (Jr 27);

  • a presença da imagem de César cunhada na moeda aumentava sua presença no cotidiano das pessoas, além disso naquela moeda estava inscrito: “Tiberius Caesar divi Augusti filis Augustus”, o que era uma ostentação do culto imperial, que atribuía divindade ao Imperador;

  • por outro lado, a representação da “Imagem de Deus” era fortemente proibida entre os judeus, a imagem dos reis judeus anteriores ao exílio na Babilônia nunca foi usada em moedas, paradigma que foi quebrado pelos asmoneus e por Herodes e seus descendentes;

  • segundo a Bíblia a única imagem de Deus seria o próprio homem (Gênesis 1:26);

  • era provável a presença de soldados romanos na cena;

  • Jesus deu uma resposta muito hábil, na qual revelou a hipocrisia dos fariseus, rompendo os fios da armadilha que lançaram contra ele, e deu um ensinamento lapidar com uma amplidão indiferenciada, de caráter proverbial e aplicável em múltiplas situações;

  • eles indagaram se era lícito pagar, Jesus mandou devolver;

  • aqueles que reconhecem o curso legal da moeda que exibem, é porque entraram no sistema econômico, e devem aceitar as suas consequências;

  • Deus está acima de qualquer poder humano, e é no homem onde está cunhada a imagem de Deus, razão pela qual os homens deveriam ser devolvidos a Deus;

  • a missão de Jesus não é a de promover a libertação política, ele veio para libertar o homem, restabelecendo sua relação com Deus;

  • a segunda parte da resposta de Jesus, mostra que a pergunta foi mal colocada.

Interessante também que há o que podemos nomear de “histórias e moedas paralelas” a esta passagem bíblica, apesar de que estes são comuns apenas para aqueles que avançaram um pouco mais, tanto no estudo numismático quanto no estudo bíblico.

Por exemplo, para aqueles que conhecem o Apócrifo Gnóstico Evangelho de São Tomé, há um episódio similar com a seguinte citação:

“Mostraram a Jesus uma moeda de ouro e disseram: Os agentes de César exigem de nós o pagamento do imposto. Respondeu ele: Dai a César o que é de César, e dai a Deus o que é de Deus – e dai a mim o que é meu.” Poderia então ser a moeda do Tributo um Aureus de Tiberius?

Para finalizar gostaria apenas de salientar a importância das moedas ditas bíblicas para o colecionismo como um todo, além de ser um tema com alta relevância histórica e popularidade é também de importância para as casas numismáticas que as usam, sempre que possível, como vitrine para novos clientes. Tanto é a importância, que a NGC, na minha opinião a maior certificadora de moedas do mundo, viu um nicho especifico mas em constante crescimento que criou um selo “Money of the Bible” somente para certificar peças como essa e também exemplares da região da Judeia.



André Luiz Padilha

Graduado em direito com especialidade em meios alternativos de soluções de conflito e atualmente é estudante de História. Colecionador de moedas desde 1997 e numismata desde 2011. É um ativo divulgador da numismática nacional publicando diversos artigos e estudos por dezenas de plataformas, presta serviços como avaliador e consultor em pelo menos 9 países, também é o fundador da Numismática Castro, do CNERJ e do canal Café e Numismática. É sócio da American Numismatic Association (ANA)

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