Moedas raras despertam interesse e giram R$ 31 milhões

Encontro do centenário da Sociedade Numismática Brasileira reúne colecionadores de moedas raras e antigas em exposição em São Paulo — Foto: Rogerio Vieira/Valor
Encontro do centenário da Sociedade Numismática Brasileira reúne colecionadores de moedas raras e antigas em exposição em São Paulo — Foto: Rogerio Vieira/Valor

 

Pode parecer estranho investir em moedas enquanto o dinheiro digital avança, mas a numismática – o estudo de moedas, cédulas e medalhas – movimenta entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões por ano no mundo, e os brasileiros não ficam para trás. Mesmo com mercado nacional pouco explorado, milhares de admiradores se reúnem em exposições e feiras no país, além de investirem valores significativos em peças antigas.

Dados da plataforma “LeilõesBR”, um dos sistemas de leilões mais usados por colecionadores no país, apontam que o mercado de moedas movimentou pelo menos R$ 31 milhões em 2023. No ano anterior, o valor das vendas na plataforma ultrapassou a casa de R$ 33 milhões.

O vice-presidente da Sociedade Numismática Brasileira (SNB), Bruno Pellizzari, conta que o perfil dos numismáticos no país é bastante diverso, desde aqueles que veem as coleções como investimentos a quem apenas é fascinado pela cultura por trás da moeda. “Entre os que gostam, há colecionadores com maior poder aquisitivo e peças mais raras. Mas também há quem colecione moedas mais simples”, detalha.

A associação, que conta com 800 sócios, atraiu centenas de colecionadores no evento que comemorou seu centenário na semana passada, em São Paulo. Entre os palestrantes estava o coordenador do Núcleo de Artes Visuais e Acervo do Itaú Cultural, Edson Cruz, que contou um pouco sobre a exposição permanente “Arte no Dinheiro”, inaugurada em dezembro. Nela, a instituição exibe um vasto acervo de moedas, medalhas, células e selos da numismática brasileira. “Quem se interessa por história, conhecimentos gerais e pelo próprio bolso deve conhecê-la”, aponta.

Uma das moedas de maior interesse da numismática brasileira está em lugar de destaque na exposição, a chamada Peça da Coroação, moeda de ouro de 6.400 réis feita em comemoração à coroação do imperador D. Pedro I. Com apenas 14 unidades conhecidas no mundo, hoje é avaliada em R$ 4 milhões.

“Foi a primeira moeda do Brasil independente, mas Dom Pedro foi estampado de perfil, de busto nu e uma coroa de louros na cabeça, igual a um ditador romano, o que não cabia para o momento político da época. Por isso Dom Pedro mandou consumir com as moedas e sobraram apenas 14”, explica Cruz. Acredita-se que foram produzidas 64 unidades, mas as demais foram destruídas pelo imperador.

Em março deste ano, o Banco Central (BC) lançará uma moeda comemorativa em prata em homenagem aos 200 anos da Primeira Constituição do Brasil e à criação do Poder Legislativo, algo raro de acontecer, o que deixa colecionadores e investidores atentos. Os detalhes sobre o lançamento, que inclui a tiragem das moedas, porém, não foram divulgados. A instituição afirma que o valor de cédulas e moedas em circulação se mantém estável, apesar do surgimento de novos meios de pagamento, como o Pix, e “será necessário algum tempo para que a evolução dos impactos nos hábitos de pagamento possa ser claramente mapeada”.



O vice-presidente da SNB relembra como o interesse pelo estudo de outros séculos e civilizações o tornou colecionador, já que a história que as moedas contam move os numismáticos. “São temas que aprendemos na escola, mas não conseguimos mensurar de forma tátil. Um exemplo é o busto da Cleópatra, que só conhecemos pela primeira vez através das moedas. Elas são importantes para resgatar o passado e entender o período em que elas foram cunhadas”, afirma.

 

Quem se interessa por história, conhecimentos gerais e pelo próprio bolso deve conhecê-la” — Edson Cruz

Quando mergulhou no universo das moedas, Pellizzari encontrou certa resistência da família, que achou estranho “gastar dinheiro atual em dinheiro antigo, que tecnicamente não valia mais nada”. Mas com o passar do tempo, seus familiares entenderam que ele aprendia história e geografia com as peças e passaram a “ver com mais normalidade”, lembra. O vice-presidente começou sua coleção sozinho, aos 17 anos, ao encontrar moedas de planos monetários anteriores ao real na casa da avó, que não tinha o hábito de colecionar.

Assim como para outros numismatas, o interesse pelo colecionismo não é uma tradição familiar e acontece ao acaso. Ao caminhar no Centro de São Paulo em 1984, Marcelo Germinario, então com 17 anos, encontrou um senhor que vendia moedas em cima de um tabuleiro e se encantou com a antiguidade das peças. Sete anos depois, tornou-se comerciante e trabalha com a venda de moedas até hoje. Aos 57, leva o filho Gabriel, de 14 anos, aos eventos da SNB e diz que está “formando seu sucessor”. “Estou o ensinando a colecionar e a comercializar. Ele já faz negócio, usa as redes sociais, participa do leilão da sociedade. Quem não é do ramo estranha, acha muito exótico, mas minha esposa já se acostumou”, conta Germinario.

O adolescente acompanha o pai desde os 8 anos e se tornou o mais jovem associado, aos 10, quando iniciou sua coleção. “Hoje eu tenho mais de 100 peças em perfeito estado de conservação. Tenho moeda romana antes de Cristo. Acho legal ter história em casa”, afirma Gabriel.

A paixão da numismata Mariana Campos também começou cedo, aos 13, por influência da avó, mas foi apenas em 2019 que decidiu transformar o hobby em profissão. Aos 43 anos, a jornalista é diretora comercial da Sociedade Numismática Brasileira e faz parte de um movimento de mulheres numismáticas que cresce no país.

Segundo uma pesquisa da SBN de agosto de 2021, o número de sócias chegou a 3,6%. O número pode parecer pequeno, mas antes o mercado era ainda mais masculino. No mesmo ano, Campos ajudou a criar um grupo de WhatsApp que reúne cerca de 60 mulheres entusiastas de colecionismo.



“O mercado já conseguiu avançar, era bastante machista. Sentia diferencia quando chegava nos eventos ou numa loja. A gente conseguiu mudar um pouco a perspectiva nesses espaços de uma forma geral e começamos a empunhar essa bandeira de que todo mundo pode participar”, diz Campos.

São poucos colecionadores que se interessam pelo tema depois de adultos, conta o sócio da casa de leilões americana Heritage Auctions, Cristiano Bierrenbach, que se iniciou no colecionismo aos 7 anos, ao encontrar uma caixa de moedas de níquel do Brasil dos anos 1930 na cada de seu bisavô, no Rio de Janeiro. Para ele, o “colecionismo é uma paixão despertada na infância”, em que o “instinto” da avaliação de preços se desenvolve e é aplicado ao longo da vida. “Os maiores numismatas se interessaram ainda crianças e conseguem perceber essa dinâmica de valor em uma coleção”, reitera.

Ao longo de 30 anos atuando com colecionáveis, Bierrenbach diz que metade das negociações está nos Estados Unidos e o restante espalhado pela China e alguns países da Europa. Uma das principais diferenças entre os mercados estrangeiros e o brasileiro, segundo ele, é a autorregulação por meio de associações e instituições profissionais. “Quem quiser participar do âmbito mais alto do comércio tem que estar em associações que preveem um comportamento minimamente ético e profissional perante mercado e colecionadores”, destaca.

Assim, o nível de transparência no mercado internacional é maior e permite uma troca mais próxima ao público, garante Bierrenbach. “Antes, os comerciantes brasileiros não passavam informações adiante, enquanto aqui a gente compartilha com os compradores para que eles entendam e se tornem colecionadores pelo resto da vida”, completa.

 

Para citar este texto:

Salinet, Maria Fernanda. Moedas raras despertam interesse e giram R$31 milhões. Valor Econômico – Globo, Fevereiro 2024 Disponível em: <https://numismaticos.com.br/israel-telephone-token/>.



André Luiz Padilha

Graduado em direito com especialidade em meios alternativos de soluções de conflito e atualmente é estudante de História. Colecionador de moedas desde 1997 e numismata desde 2011. É um ativo divulgador da numismática nacional publicando diversos artigos e estudos por dezenas de plataformas, presta serviços como avaliador e consultor em pelo menos 9 países, também é o fundador da Numismática Castro, do CNERJ e do canal Café e Numismática. É sócio da American Numismatic Association (ANA)

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