Nunca saberemos o que vai entrar por aquela porta #1

Não é a primeira vez que falo essa frase, nem será a última. Por mais clichê e até um pouco repetitiva que seja, é a mais pura verdade. Por muito tempo trabalhei somente em minha residência, afinal toda estrutura da Castro & CO é 100% virtual e assim acabava que não conseguia entender muito bem o que sempre ouvia nos eventos numismáticos “você nunca saberá o que pode entrar pela sua porta”.

O universo numismático como um todo é cercado por muita falta de conhecimento daqueles que não estão inseridos na numismática, ou seja, quem não é colecionador pouco ou nada sabe sobre a matéria, por isso, quando somos contactados para vendas ou avaliações de moedas, acabam chegando junto uma ou outra curiosidade que o proprietário não sabe o que significa mas nos pede ajuda para identificar.

Geralmente essas “curiosidades” não são numismáticas, já recebi aqui no escritório de papiros egípcios até fotos originais de Diego Maradona, mas quando essa dita curiosidade é numismática, aí a mágica acontece. Recebi por esses dias aqui na sede da Castro Alves Leilões um enorme lote numismático para que fosse devidamente classificado, avaliado e por fim, negociado.



Dentre as mais de 2.000 peças que chegaram, que inclusive estarão boa parte em nosso leilão de março da Castro Alves Leilões, destacamos três peças que possuem tanto valor material, quanto valor histórico e nesse texto abordaremos apenas uma dela, se trata da seguinte peça:

 

Como vocês podem ver, no primeiro momento pode parecer apenas uma cédula assinada, o que é até uma prática comum, afinal, até no dia a dia podemos pegar uma cédula com informações ou números anotados (por mais que isso seja crime), mas essa é diferente, trata-se de uma autêntica “Short Snorter” da Segunda Guerra Mundial, vou explicar um pouco mais o sobre:

Trata-se de uma tradição militar iniciada pelos aviadores do Alasca na década de 1920, consiste em pegar uma cédula (na tradição original uma cédula de 1 dólar) onde todos os tripulantes de uma mesma aeronave pudessem depositar suas assinaturas, ou seja, cada um pegava sua própria cédula e pedia para que os outros tripulantes assinassem, assim todos teriam uma lembrança desta viagem.

De acordo com um artigo de novembro de 2002 no The Numismatist , “Cerca de 100 anos atrás, um ‘short snort’ era uma expressão (gíria) para menos de uma dose completa de licor. Servir doses curtas garantia aos barmans um pouco de lucro extra em cada garrafa. Além disso, beber apenas uma breve dose permitia que o bebedor mantivesse sua sobriedade. Anos antes dos regulamentos federais da aviação, os pilotos descobriram que álcool e aviões não se misturam, e pilotos que bebiam muito não viviam muito tempo.

Acredita-se que a tradição tenha sido iniciada em agosto de 1925, no Alasca, nos Estados Unidos. Jack Ashcroft e outros pilotos iniciaram a tradição, que resultou na disseminação pelas forças armadas dos Estados Unidos. Quando o short snoter curto era assinado, o cobrador teria que apresentá-lo a pedido, caso contrário, era obrigado a dar uma bebida ao signatário.

Alguns Short Snoter se destacam na história como o do General Hoyt Vanderberg com a assinatura do Presidente Eisenhower e o de Harry Hopkins que foi assessor do presidente Roosevelt e possui a assinatura tanto de Eisenhower quanto de Winston Chirchill. Outro que podemos destacar é a coleção de Marlene Dietrich ao qual seu Short Snorter foi vendido por pouco mais de 5 mil dólares no ano de 2017, o que na conversão de hoje daria algo perto dos R$27.000,00.

Sobre o nosso Short Snorter podemos ver que no topo da cédula temos o nome do comandante, seguido pelo nome da aeronave, a data de decolagem e também o destino, nesse caso de Belém para Natal. Uma coisa que acredito que pouca gente sabe é que Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte possui uma posição estratégica geográfica global muito importante e por isso a cidade recebeu duas importantes bases militares americanas durante a Segunda Guerra Mundial, a Base Naval e Parnamirim Field (a então maior base americana em território estrangeiro). A cidade recebeu um contingente de 10.000 soldados norte-americanos para lutarem durante a SGMII e este fato foi muito importante para o desenvolvimento da cidade, uma vez que à época a cidade só possuía 55.000 habitantes (hoje possui mais de 900.000 habitantes).

Como podemos ver, esta não é uma cédula de 1 dólar e sim uma cédula de 20.000 Réis em circulação à época da assinatura, acaba sendo muito interessante o contexto pois se trata de uma tradição da aviação americana refletida no cenário nacional, mas justificado pela grande inserção de americanos na cidade de Natal durante o período da Segunda Guerra Mundial, tornando esse item tão importante para contar a história dos tripulantes, da cidade de Natal quanto da importância do Brasil na Segunda Guerra Mundial.

Este item vai a leilão em março pela Castro Alves Leilões mas achei interessante compartilhar essa história com vocês, afinal uma peça tão rica em história merece ser compartilhada com outras pessoas!

Obrigado por ler até aqui!



André Luiz Padilha

Graduado em direito com especialidade em meios alternativos de soluções de conflito e atualmente é estudante de História. Colecionador de moedas desde 1997 e numismata desde 2011. É um ativo divulgador da numismática nacional publicando diversos artigos e estudos por dezenas de plataformas, presta serviços como avaliador e consultor em pelo menos 9 países, também é o fundador da Numismática Castro, do CNERJ e do canal Café e Numismática. É sócio da American Numismatic Association (ANA)

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