Com a pandemia de covid-19 e o pagamento do auxílio emergencial, que aumentou a demanda por dinheiro em espécie, o Banco Central (BC) decidiu recolocar em circulação, em 2020, cédulas que seriam destruídas por estarem desgastadas. O objetivo era minimizar o impacto de uma possível falta de notas circulando na economia. A medida não solucionou o problema e, naquele mesmo ano, em julho, o BC anunciou a criação da cédula de R$ 200.
As informações constam no Voto 174/2020-BCB, obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo Valor. O documento consiste na proposta de criação da cédula e apresenta uma análise da situação da demanda por papel-moeda na época, além de uma série de razões para o desenvolvimento da nota de R$ 200. Algumas das informações foram expostas pelo BC ao público na ocasião do lançamento da nota, mas outros fatos, como a reutilização de cédulas que seriam destruídas, não foram destacados. O documento foi classificado pelo BC como “reservado” por dois anos.
Consta no Termo de Classificação de Informação, que explica a decisão pelo sigilo, que o BC decidiu manter o documento como reservado para que a estratégia de comunicação “não sofra influência de elementos internos do processo decisório que, descontextualizados, poderiam fragilizar a coesão da mensagem transmitida”. O BC também argumentou que o documento teria informações sensíveis relacionadas ao monitoramento do meio circulante. Alguns trechos do voto ainda continuam com restrição de acesso.
Procurado, o BC informou que selecionou as cédulas de maior valor e menor desgaste para voltar a circular. Cerca de 90 milhões de notas retornaram para a economia com base nesses critérios e, depois, passaram a ser recolhidas à medida que o estoque permitia sua retirada.
O documento elenca também uma série de fatos que ocasionaram a falta de cédulas em circulação. Além da grande demanda gerada pelo pagamento de auxílios durante a pandemia e o chamado “entesouramento” das notas (a criação de reservas de dinheiro), situações apontadas na época pela autoridade monetária, o documento destaca também o contingenciamento orçamentário que existia desde 2014 como um dos fatores. Na ocasião do lançamento da cédula, não houve menção a esse problema.
“O contingenciamento orçamentário para as despesas do meio circulante, notado desde 2014, não permitiu a formação de estoques para cenários mais severamente adversos, a despeito das diversas iniciativas tomadas para aumentar a proporção entre a quantidade adquirida e a quantidade considerada adequada para a manutenção do meio circulante nos últimos anos”, diz o documento.
Em 2019, por exemplo, apenas 52% das cédulas necessárias foram adquiridas (1,7 bilhão, de 3,4 bilhões). O percentual mais baixo foi em 2014, quando apenas 29% (1 bilhão, de 3,5 bilhões) das cédulas necessárias foram adquiridas. Essas informações constam no Voto 174/2020-BCB.
Marcel Mascarenhas, sócio no Warde Advogados e ex-procurador-geral adjunto do Banco Central, que estava na autarquia na época da criação da cédula, avalia que o BC adotou as medidas de mais rápido alcance e que eram necessárias para atender à demanda pelas notas. “Num cenário ideal, as cédulas seriam substituídas quando verificado determinado nível de desgaste. Contudo, havendo restrição orçamentária para contratar a produção de novas cédulas em quantidade suficiente, aumenta-se a tolerância com o desgaste das cédulas, permitindo-se manter em circulação um volume maior de dinheiro”, disse.
O Voto 174/2020-BCB também traz a cronologia das ações do BC para evitar uma possível falta de cédulas no primeiro ano da pandemia. No voto, o BC diz que houve uma “ruptura” no padrão de fluxos de pagamentos e recebimentos ocasionada pela grande injeção de dinheiro físico devido ao pagamento dos auxílios, além do entesouramento das cédulas.
O BC então lista algumas ações que foram tomadas, além da reutilização de cédulas, para minimizar o impacto da alta demanda, como a antecipação da produção e das entregas de notas pela Casa da Moeda. O BC ainda analisou a possibilidade de encomendar cédulas no exterior, mas percebeu que as impressoras internacionais já estavam com a capacidade de produção comprometida.
Dessa forma, a decisão pelo desenvolvimento da nova cédula foi uma “medida emergencial para atender às necessidades de numerário”. O BC considerou que já havia um pré-projeto da cédula, que a Casa da Moeda teria capacidade de produção e que poderia ser contratada em tempo hábil.
Além do Voto 174/2020-BCB, o Banco Central ainda produziu o Voto 211/2020-BCB, com a solicitação de complementação do orçamento para custear as cédulas, e a Nota Técnica 329/2020-BCB. Este último documento ainda está classificado como reservado e tem previsão de ser liberado ao público em agosto deste ano.
Quase quatro anos depois do início da circulação das cédulas, cerca de um terço das 450 milhões encomendadas circulam na economia. Segundo dados do BC, são 136,7 milhões de notas. Mariana Chaimovich, legal advisor no Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário (ITCN), ressalta que, apesar do crescimento dos pagamentos digitais, o Brasil tem dimensões continentais e realidades díspares. Lembrando as críticas à decisão do BC de desenvolver a nota, Chaimovich reforça que é necessário garantir à população acesso ao dinheiro.
“Dizer agora que a cédula de R$ 200 foi inútil implica ignorar as necessidades, que não podem ser ignoradas, de um momento histórico excepcional que foi a pandemia. Mesmo agora, o valor total das cédulas de R$ 200 em circulação (cerca de R$ 27 bilhões) só é menor do que o das cédulas de R$ 100 (R$ 185 bilhões) e R$ 50 (R$ 86 bilhões). Portanto, mesmo que tenha sido prevista uma quantidade maior para a emissão, ela é feita aos poucos, para não inundar o mercado com essas cédulas, resultado de uma análise minuciosa das necessidades da sociedade em determinado ponto da história”, disse.
O BC informou que a entrada em circulação da cédula de R$ 200 ocorre de forma gradual e de acordo com a demanda da sociedade, “assim como qualquer outra nova denominação”. Ainda segundo a autarquia, o atual orçamento do meio circulante é suficiente para o atendimento adequado das necessidades.
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